“AGRESSIVIDADE VIOLÊNCIA – JUNG”

Agressividade e Violência Sob a luz da teoria de Jung.

Historicamente, a violência é onipresente, está em todas as sociedades, camadas sociais, e se apresenta tanto física quanto psiquicamente. Vemos, na atualidade, exemplos de violência que nos assombram, seja ela de forma estetizada, como em vídeos de execução de prisioneiros de grupos radicais religiosos; seja instrumentalizada, como nas ações das forças de controle governamentais; seja nos horrores das guerras, ou nos atos violentos em geral que nos cercam nos grandes centros urbanos, ou nas relações interpessoais e de trabalho.

Mas, antes de todas essas formas pelas quais a violência se apresenta, encontra-se o indivíduo, o ser humano. 

E, como seres humanos, seríamos todos capazes de ser tão violentos como nossos semelhantes, que de tão violentos, podem nos levar a duvidar de sua humanidade? 

O que caracteriza um comportamento violento? De onde nasce e parte essa força e quanto dela existe a priori ou evolui com o desenvolvimento da personalidade? O que ocorre psiquicamente antes, durante e depois desse ato de expulsão do insuportável, que vai em direção ao outro, ignorando sua existência ou tentando até mesmo extingui-la?

Considero a obra de Carl G. Jung fundamental para a compreensão dos mecanismos psíquicos, entre eles a agressividade e a violência, pois traçar o caminho entre a agressividade e a violência no desenvolvimento humano é andar de mãos dadas com a sombra.

Nesse percurso, cheio de relações e inter-relações, estão aspectos nossos que, geralmente, não gostamos de saber que existem. Mas, independentemente de nossa vontade, eles estão presentes em nós, em nossa psique, e influenciam nosso comportamento.

A compreensão sobre qual o papel desempenhado por nossos aspectos sombrios dentro desse sistema intrincado pode ser um caminho possível para um melhor desenvolvimento psíquico.

No aspecto individual a sombra representa o “obscuro pessoal”, como a personificação dos conteúdos de nossa psique não admitidos, rejeitados e reprimidos durante nossa vida, que em certas circunstâncias podem ter também um caráter positivo; sob o aspecto coletivo, representa o lado escuro geral-humano em nós, a disposição estrutural para o inferior e obscuro que habita dentro de todo ser humano. (JACOBI, 2013, p. 195).

Um ego sem recursos, diante de situações que lhe causam desprazer, pode dar início a comportamentos violentos, mas há uma grande complexidade nos desdobramentos possíveis da agressividade, e um número ainda maior de aspectos e agentes.

A agressividade e a violência têm diferentes funções.

Não podemos conceber a violência apenas como um ato físico de afastamento diante de uma dor indesejada, nem mesmo como o fim de um movimento comportamental. 

Ela é também um estado mental. 

É um processo psíquico que coloca em movimento os instintos, os arquétipos, os complexos, o ego, as personas, e a libido.

O ego pode receber inundações de conteúdos inconscientes, não apenas pela constelação de complexos, mas também de arquétipos e impulsos instintivos.

O instinto é essencialmente um fenômeno de natureza coletiva, isto é, universal e uniforme, que nada tem a ver com a individualidade do ser humano. Os arquétipos têm esta mesma qualidade em comum com os instintos, isto é, são também fenômenos coletivos. No meu ponto de vista, a questão do instinto não pode ser tratada psicologicamente sem levar em conta a dos arquétipos, pois uma coisa condiciona a outra. (JUNG, 1919/2014b, loc. 1253–1269).

Diante da força intensa e desconhecida dos instintos, o ego pouco pode fazer para controlar o movimento e comportamento resultantes. Podemos nos desenvolver social e culturalmente, mas esse componente natural, inato, sempre poderá se sobrepor a vontade do ego. O universal primário suplanta o individual racionalista.

Os elementos polarizados também estão muito presentes nesse âmbito da agressividade e são partes importantes da teoria da psicologia junguina.

Construção e desconstrução, integração e desintegração, criatividade e destrutividade, prazer e dor, passividade e violência, saudável e doente. 

A possibilidade de cisão do arquétipo da agressividade é uma das bases teóricas do desenvolvimento do comportamento violento. 

A agressividade pode ser entendida como uma massa primária a partir da qual podem ser moldadas qualidades que vão auxiliar o desenvolvimento e adaptação do indivíduo, mas dela também pode ser moldada a violência. Muitos fatores vão influenciar a maneira criativa ou destrutiva desse desenvolvimento.

Jung não conceituou ou tratou diretamente da agressividade em seus escritos, mas subordinou-a ao tema da destrutividade humana, vista por ele como uma parte, um aspecto da sombra.

 Entretanto, Jung reconheceu as origens instintivas da agressividade, embora não tendo origem em apenas um único instinto. (MIZEN, 2003, p. 289–290, tradução minha)

Traumas na primeira infância e mesmo depois dela podem influenciar negativamente o desenvolvimento do ego, e a construção saudável de sua relação com o Self.

Este pode se sentir ameaçado pela agressividade e modificar a relação do indivíduo com os objetos. As experiências afetivas também podem sofrer distúrbios e modificações que irão influenciar a relação do indivíduo como o mundo na fase adulta e posterior.

O comportamento violento pode se apresentar por motivos externos justificados — uma agressão recebida — mas também por projeção.

A projeção de conteúdos sombrios no outro, é identificada em casos que vemos com freqüência, como preconceito e discriminação política, social, religiosa, racial e de gênero.

A agressividade também pode ser ativada por estados de ansiedade provenientes de pressões da sociedade pelo enquadramento em padrões de vários modelos.

Na adolescência, por exemplo, as questões de rejeição ou pertencimento a determinados grupos sociais podem desencadear estados depressivos, nos quais a agressividade pode se voltar contra o indivíduo.

Por conta dos processos somáticos, o fenômeno psíquico da violência deve ser estudado e conhecido, pois poderá auxiliar no diagnóstico, diferenciando, um estado neurótico de outra patologia mais grave, psicótica por exemplo.

De um ponto de vista arquetípico, doenças que vagueiam o lado escuro da psique individual e cultural não devem ser eliminadas.

Elas devem ser iluminadas.

Uma ruptura pessoal ou social cria a abertura necessária através da qual olhamos o perturbador domínio de nossa condição humana e terrestre.

Um movimento do literal para o mítico, do informativo ao poético é uma trajetória arquetípica que viola o discurso predominante na psique irreflexiva e carregada de informação da sociedade ocidental. (CALLAN, 2009, p. 119, tradução minha)

Vemos, atualmente, uma grande crise de ausência de sentido na vida das pessoas.

A desconexão com o Self e a conseqüente desintegração afetiva perante o mundo têm refletido na sociedade, e a violência se faz presente nas relações pessoais de forma intensa.

A luz da teoria junguiana pode nos trazer esclarecimento e um caminho mais humano, que nos auxilie, através da integração de conteúdos inconscientes, no desenvolvimento individual e social.

Referências bibliográficas

CALLAN, G. M. Cultural Rupture: A call to poetic insurgency. In: The psychology of violence — a journal of archetype and culture. Spring V.81. p. 113–127. Louisiana, EUA. 2009.

JACOBI, J. A psicologia de C. G. Jung. Uma introdução às obras completas. Petrópolis, Vozes, 2013.

JUNG, C. G. A natureza da psique. Petrópolis, Vozes, 2014b.

MIZEN, R. A Contribuition towards an analytic theory of violence. In: JOURNAL OF ANLYTICAL PSYCHOLOGY. 48. p. 285–305. Oxford, Reino Unido, 2003.

Este texto é um recorte adaptado de meu trabalho monográfico:

PSICOLOGIA JUNGUIANA NA CONTEMPORANEIDADE: ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA AGRESSIVIDADE NO COMPORTAMENTO VIOLENTO DO INDIVÍDUO. Monografia apresentada à FACIS como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Psicologia Junguiana.

FONTE: https://medium.com/@waltermateus/agressividade-e-viol%C3%AAncia-sob-a-luz-da-teoria-de-carl-g-jung-759e0205d96a